Febre suína alimenta o sentimento anti-imigrantes

Por Pablo Calvi, direto de Nova Iorque (Estados Unidos), na Terra Magazine.

Como se não fosse suficiente, com o avanço da gripe suína e os 114 infectados que até quinta-feira foram confirmados pelo Center for Disease Control and Prevention em 12 estados americanos, uma onda de racismo e intolerância surgida em alguns programas de rádio e TV de abrangência nacional começou a agitar-se na extrema direita e já respinga de vergonha vários dos mais importantes meios de comunicação americanos.

 “Muitos meios de comunicação estão usando a febre suína para impulsionar sua agenda política”, afirmou ao Terra Magazine Iván Román, diretor executivo da National Association of Hispanic Journalists (NAHJ). “Muitos dos meios de ultra-direita estão estimulando há tempo o fechamento da fronteira com o México e o aparecimento da gripe suína é para eles a desculpa perfeita. Claro que os argumentos utilizados por eles estão no limite entre o racismo e o ridículo”.

A primeira pedra da discórdia foi lançada no início da semana pelo apresentador de rádio Michael Savage no seu programa “The Savage Nation”. Savage, um dos maiores opositores à reforma imigratória de Obama, relacionou a epidemia de febre suína com a imigração ilegal e o bioterrorismo.

“Vou falar desta horrível, horrível história sobre como os imigrantes ilegais trouxeram do México uma variedade mortal de gripe para os Estados Unidos”, disparou. Savage, que está entre os comunicadores de rádio mais populares à direita do dial e tem uma audiência de quase nove milhões de ouvintes, assegurou também que a gripe é uma arma biológica criada pelos “inimigos da América”. “Mas Janet Napolitano – a Secretária de Segurança Interna – nada pensa em fazer para deter o tráfico humano procedente do México”, acrescentou.

Savage, logicamente, não foi o único mediático ultra-direitista a expressar seu ódio racial. Desde terça-feira, o correspondente da National Review Online, Mark Steyn, vem sugerindo na sua coluna na Internet que a epidemia deveria ser chamada de “gripe dos ilegais”. O seu correligionário republicano, Neal Boortz, deu, porém, um nome ainda mais denegrido “fajita-flu” (faixa-flu), para referir-se à epidemia que não apenas faz vítimas no México e nos Estados Unidos, mas que já afeta 14 nações no mundo.

A gota que fez o copo transbordar, porém, foi colocada há algumas horas pelo apresentador de rádio e estrela da rede de televisão Fox, Glenn Beck: “Se você tem uma família no México e todos estão morrendo por causa desta epidemia, por que evitaria atravessar a fronteira e nos inundar com a sua doença deste lado do rio?”, disparou.

 “Nas rádios americanas os talk-shows de direita têm uma penetração muito importante”, afirmou Román. “Rush Limbaugh, Michael Savage e Glenn Beck têm uma agenda anti-imigratória muito clara. E alguns chegaram a dizer que quem sai para comer em restaurantes atendidos por mexicanos corre o risco de contrair a doença. Claro que isto é ridículo, mas desta forma, além de semear a incerteza, também se alimenta uma guerra cultural”.

Por este motivo na quinta-feira de manhã a NAHJ publicou um comunicado pedindo que os meios nacionais sejam “prudentes nas suas coberturas sobre a gripe suína e evitem utilizar os imigrantes de origem mexicana como bodes expiatórios e responsáveis da possível pandemia”.

“O problema com estes programas de rádio e TV é que são vendidos como jornalismo, mas não o são”, assegura em conversa com Terra Magazine Arlene Notoro Morgan. Professora da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia e uma das encarregadas pela escolha dos prêmios Pulitzer de jornalismo, Morgan ministra na Columbia o seminário “Let’s do it Better” sobre raça e etnicidade nas coberturas jornalísticas e é editora do “The Authentic Voice: The Best Reporting on Race and Ethnicity”.

“Muitos destes shows têm uma audiência enorme e dizem qualquer coisa para aumentar o rating, sem pensar na sensibilidade do assunto ou na exatidão necessária em situações de muita tensão social e preocupação como podem ocorrer durante uma epidemia”, explica.

A acadêmica e jornalista acredita, porém, que estas vozes intolerantes não terão um efeito dramático em relação às políticas do governo. “Em geral este tipo de discurso é direcionado a um público já naturalmente anti-imigrante, e, definitivamente o que fazem com suas diatribes é apenas confirmar aos seus ouvintes os sentimentos que estes já tinham de antemão. E claro, é verdade, existe um forte sentimento anti-imigrante nos Estados Unidos. Mas tenho certeza de que a maioria dos americanos reconhece a imigração como uma das maiores riquezas do nosso país”. (Blog O Outro Lado da Notícia)

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